2007-11-06

Outros usos para o desenvolvimento colaborativo

O paradigma do desenvolvimento colaborativo é provavelmente a principal inovação tecnológica surgida no final do século passado. Após surgir na área do desenvolvimento de software, foi necessário o florescimento da Internet como infra-estrutura para que ele alcançasse maior visibilidade e eficácia.

Agora, o desenvolvimento colaborativo já está instituído em seu berço, e as maiores empresas da área de tecnologia, como Google, Microsoft, Oracle, IBM, HP, para citar algumas, já o apóiam e utilizam em diferentes graus, mas com total compreensão de suas vantagens.

Fora do ambiente técnico, a Wikipédia é provavelmente o maior expoente desse novo modelo de criação. Com qualidade comparável à da venerável Enciclopédia Britannica, a Wikipédia é capaz de crescer bem mais rápido que qualquer publicação em papel, e suas correções são aplicadas com rapidez inigualável.

Então, após conquistar as áreas de desenvolvimento de programas e publicação de conhecimento, que outros usos podemos propor para o desenvolvimento colaborativo?

Para o bem de todos

Antes de começar a fazer sugestões, vejamos a real motivação dos programadores e wikipedistas em compartilhar suas criações. Não se trata de filantropia ou preocupação social (ao menos na maioria dos casos): trata-se de ter um produto final com qualidade e com o conteúdo que seus autores, usuários e leitores esperam.

Ao contribuir com algumas linhas de código para um programa, ou com algumas informações num verbete da Wikipédia, os autores esperam que outros também façam o mesmo. Assim, quando um wikipedista especialista em economia necessitar, por exemplo, de informações a respeito da história do Japão, poderá conferir as contribuições feitas por alguém que talvez venha a pesquisar a respeito do mercado de ações. Da mesma forma, alguém que escreve e compartilha um programa para exibir fotos digitais tem a possibilidade de usar um navegador Web desenvolvido de forma colaborativa, como o Firefox.

É verdade que qualquer pessoa pode usar o Firefox e procurar informações na Wikipédia, mesmo que jamais tenha contribuído com esses projetos. Porém, não imagine que isso enfraquece o desenvolvimento colaborativo. Muito pelo contrário. Como muito bem observa Cezar Taurion, executivo da IBM que se dedica ao estudo teórico do desenvolvimento colaborativo de software, o produto dessas colaborações sofre o efeito de rede[link em inglês], sob o qual o valor de um produto cresce exponencialmente com o número de usuários desse mesmo produto. Simplificando, poderíamos inferir que programas com grande número de usuários atraem mais desenvolvedores.

Um caso nacional

Agora talvez possamos responder a pergunta feita acima: que outros usos podemos propor para o desenvolvimento colaborativo?

Para não tornar este texto longo demais, sugiro logo minha resposta: o próprio desenvolvimento da nação.

Novamente lanço mão do exemplo dos softwares. Qual a melhor forma de implementar certa funcionalidade a um programa? Em programação sempre há mais de uma forma de se realizar uma mesma tarefa. Um programador pode escolher uma forma, que outro desenvolvedor logo percebe ser menos eficiente que uma segunda maneira, e faz as alterações necessárias (quando se trata de um programa cujo código-fonte é aberto). Um terceiro programador, com mais experiência, enxerga todo o problema por um ângulo distinto, e propõe uma forma radicalmente diferente – e ainda mais eficiente – para solucionar a questão.

Qual a solução para a fome no país? Com certeza há inúmeras formas de alimentar os famintos e solucionar esse problema, não somente no Brasil, como no mundo todo. E como podemos encontrar a melhor? Ou uma das melhores?

Minha primeira sugestão seria um wiki. Imagine o poder de uma população que sugere soluções e melhorias para seus próprios problemas através de um wiki. Independente de quem chegue ao poder, ou de seu partido, o wiki consolidaria todas as melhores formas para solucionarmos os problemas da nação. Nossos legisladores teriam informação de qualidade, garantida por nós mesmos, sobre os verdadeiros problemas que nos afligem, e quais as melhores maneiras para solucioná-los. Aqueles políticos que de fato resolvessem tais questões inevitavelmente figurariam no wiki, recebendo assim os méritos típicos do modelo colaborativo, e potencialmente garantindo-lhes votos nas próximas eleições.

Com as atenções de todo o eleitorado voltadas para o wiki, ele ganharia assim o recurso de palco de propaganda política verdadeira, ao mesmo tempo em que aumentaria o poder e a adoção das sugestões de melhorias nele contidas. Como se pode ver, o efeito de rede novamente entra em ação, e o valor das sugestões da população aumenta de acordo com o próprio número de propostas e políticos que as adotem.

A discussão política, econômica e social é importante, mesmo que não seja interessante. Mais um motivo para torná-la o mais aberta possível.

Outras sugestões são bem vindas. ;)

10 comentários:

Unknown disse...

Uma pena que a tomada de decisões pelos poderes Executivo e Legislativo não tenham relação direta com a vontade popular muito menos com os debates. Só fazem quando querem e se isto lhes favorecer de alguma forma.

Sua idéia é boa mas não tem utilidade no sistema de Governo atual!

Pablo disse...

Justamente. O que eu proponho, josé vitor, é que esse mesmo wiki seja um palco para propaganda política, mas unicamente por mérito dos políticos.

Ou seja, com isso nós tornaríamos positiva a adoção da vontade popular pelos políticos.

Yguaratã C. Cavalcanti disse...

Sua idéia é muito boa, muito criativa e É APLICÁVEL sim em qualquer governo, principalmente no Brasil.
O interesse da população é e sempre foi muito relevante. Nós temos o poder, a questão é que não pensamos como tal e somos acomodados.
À propósito, vc fez alguma pesquisa para saber se existe algo parecido com sua idéia? Ou algo q se encaixe nesse contexto?

[]´s

S. Zeferino Filho (OhEremita) disse...

Reforço a pergunta do Cavalcante, caso não exista, como você imagina que seria feito na pratica. Li sobre uma instituição que faz testes em produtos nos USA (Estilo Fantástico-Rede Globo/IMETRO), que começou como iniciativa individual e sem muita pretensão e que hoje dita normas no mercado. Quem sabe não podíamos começar algo assim sem muita pretensão mas fazendo com seriedade.
Tem mais um adepto.
Felicidades!!!
T+

Bruna disse...

Seguinte, existem pa[ises que fazem isso, de uma forma um pouco diferenciada, como exemplo temos a Suíça, país na qual a democracia é quase direta, os cidadãos podem propor projetos de lei e podem votá-los.
Aqui é remotamente possível a população propor projetos de leis para serem votados, mas é difícil, requer um número enorme de assinaturas e ele pode não ser aprovado.

Eu tenho uma série de idéias de como o modelo colaborativo pode ser utilizado em vários âmbitos, na verdade, estou desennvolvendo pesquisa nessa área, em como o SL e o modelo colaborativo, e a liberdade de conhecimento podem fomentar uma nova lógica societária.

Se alguém quiser falar sobre isso pode me procurar...

Pablo disse...

Yguarat� C. Cavalcanti, obrigado pelos elogios. Não fiz pesquisa alguma pra saber se já existe alguma coisa assim, e estou na esperança que alguém me indique um wiki como esse.
Senão, é nosso dever criá-lo e começar a populá-lo, certo?
Alguém já tem um domínio e um espaço em servidor que possa ceder a esse nobre e insólito propósito? Instalar um wiki é relativamente fácil.

Pablo disse...

bruna, no Brasil, que eu saiba, pra levar uma proposta ao congresso nacional são necessárias 2.000.000 de assinaturas (dois milhões -- deixei os zeros só pra mostrar que é assinatura *pra caramba*).

E estou muito interessado na sua pesquisa. Quero tentar pôr em prática essas idéias o quanto antes, pra ver se levamos o desenvolvimento do Brasil para a frente, tanto social quanto tecnologicamente, porque a democracia da Internet *tem que* ser usada com esse propósito -- ela é boa demais pra ficar por aí dando sopa. :)

Vou te procurar sim.

Pablo disse...

oheremita, como eu disse, quero começar isso o quanto antes. Provavelmente não vamos começar da melhor forma possível, mas as correções fatalmente virão. Colaborativamente. ;)

É a aplicação da ordem dada pelo Eric Raymond: "Release early, release often".

No nosso caso, o verbo "liberar" não se aplica, então acho que poderíamos adaptar para: "Comece logo, e faça as mudanças conforme forem surgindo".

Quero começar *logo*.

Ah, e aguarde mais posts sobre o assunto, porque agora que isso me veio concretamente à mente ;) , estou fervilhando de idéias.

Forte abraço!

Guilherme Machado disse...

Compartilhava essa idéia com meus amigos de trabalho há algum tempo. Aonde eu assino mesmo?

Abraço,
Guilherme Machado
Curitiba / Pr / Brasil

Davi K. Vidal disse...

Interessante ponto... Não duvido que isso funcionaria num país... :-)